Marcos Menescal - Como Iniciar uma Carreira na Ópera?
Marcos Menescal é artista do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e uma das maiores cabeças pensantes da ópera no Brasil: ele se dispôs a responder quaisquer perguntas que surgissem no nosso grupo sobre a carreira do artista lírico, e a Séfora Silva fez algumas perguntas bem pertinentes. Aqui está o resultado deste papo:
SS: Quais os maiores atributos que um cantor lírico que deseja entrar na área da opera precisa ter ?
MM: Alguns inatos e outros adquiridos. No primeiro caso estão: A musicalidade, a intuição musical (a capacidade de “intuir” a maneira mais justa de se executar um fraseado), a personalidade, a sensibilidade, o magnetismo ou presença (Alguns cantores excelentes passam palidamente pelo palco enquanto outros, menos dotados, conseguem atrair todos os olhares do público.), o domínio dos nervos e das emoções, uma boa saude e... a voz. Deixei a voz por último para frisar que, ao contrário do que muita gente pensa, uma grande voz, sem outros atributos que lhe acompanhem, não faz um bom cantor. Não faz sequer um cantor. Por outro lado, muitos entre os maiores cantores do século passado e deste início de século não tiveram grandes vozes. Um atributo que, infelizmente, hoje está em alta e que, pelo menos para mim, não deveria contar, é a aparência física. Mas está aí e não se pode ignorá-lo. Por isso aconselho aos jovens a se cuidarem bem, a praticarem atividade física, a cuidarem da alimentação, a evitarem engordar (o bom é que tudo isso contribui para uma boa saúde). Vamos àqueles atributos que só dependem de você: O domínio da técnica vocal, o estudo da música, principalmente a teoria e o solfejo, complementados pela análise e pela harmonia, a cultura musical, a cultura de estilos e a cultura geral. E ouvir. Ouvir muito. Ouvir tudo, sem imitar ninguém (quanto mais cantores se ouve, menos se cai na tentação de imitar algum). Hoje a internet disponibiliza tudo. É só querer.
SS: Quais as melhores faculdades para quem quer ingressar na carreira de cantor lírico no Brasil?
MM: Não sou a pessoa mais indicada para responder a essa pergunta. Conheço a Escola de Música da UFRJ, que recomendo vivamente. Você deve procurar uma Escola que monte óperas encenadas, de preferência com orquestra. Essa será uma experiência fundamental para a sua formação. Ninguém, por mais que estude, saberá o que é cantar uma ópera em um teatro até fazê-lo. Procure escolher com cuidado o seu professor de técnica vocal. Essa é a questão mais delicada. Uma escolha errada poderá trazer grandes danos. E não é uma questão de bom ou mau professor, mas de um professor que seja adequado para você, para a sua voz, para a sua necessidade. Quando cursei, eu já tinha o meu professor particular, da minha inteira confiança. Tive uma conversa franca com a professoara da universidade e ela concordou em não modificar a minha técnica. Por outro lado trabalhou comigo um extenso repertório de música de camera, que me foi de inestimável utilidade.
SS: Como ingressar na área da ópera?
MM: As duas melhores portas de entrada para a carreira atualmente são justamente as audições (testes) e os concursos de canto. As audições costumam ser pouco divulgadas e algumas são fechadas. É preciso que você esteja bem entrosada no meio para ficar sabendo. É quase sempre no boca a boca. Existem audições específicas para um determinado espetáculo, em que o cantor, quase sempre, deve apresentar um trecho do personagem que está pleiteando, e outras, mais abrangentes, que são convocadas por maestros ou diretores de teatro para que possam conhecer o material humano disponível. Nesse caso costuma-se pedir uma ou mais arias de livre escolha. Os concursos de canto são bem divulgados e muito assitidos. Ali o cantor pode ser ouvido por maestros, produtores, diretores, que muitas vezes são componentes da banca, e pode ter boas oportunidades de contratos e de bolsas de estudo. Alguns tiveram, como porta de entrada, a apresentação em um espetáculo universitário de ópera. Ali o cantor tem a oportunidade de apresentar todas as suas qualidades profissionais. Alguns primeiros contratos sairam dali. Na minha época havia as sociedades líricas, que montavam dezenas, centenas de espetáculos por ano, acompanhados de piano, e que hoje, lamentavelmente, não existem mais. Era uma vitrine e tanto. Eu e quase todos os da minha geração começamos ali. O importante é não ir com muita pressa. É preciso se preparar muito bem, durante anos. A ideia de se apresentar só para pegar pratica (a não ser em apresentações exclusivas para alunos, com público muito restrito) não é boa. Muitas vezes pode “queimar” o jovem artista e lhe colar uma etiqueta de mau cantor, dfícil de ser arrancada depois.
SS: Dicas para quem vai enfrentar as primeiras bancadas de testes?
MM: Só se apresentar muito bem preparado. Não há complacência com partes mal sabidas ou arias mal cantadas. Deve-se, quando possível, apresentar arias que foram muito bem estudadas e apresentadas em público algumas vezes. Isso dá segurança ao cantor. É preciso se lembrar que numa audição os nervos podem trair. Por isso, quanto mais seguro o cantor estiver naquilo que vai apresentar, melhor. Não se deve nunca dar desculpas preliminares do tipo: “Estou muito nervoso”, “Estou resfriado”, ou justificativas posteriores de possíveis erros. É preciso passar uma sensação de profissionalismo, seriedade e segurança. Se não estiver preparado ou se estiver com algum outro problema, dê parte de doente e não compareça. Pense no que vai vestir e em como vai se apresentar. Muita gente se deixa influenciar por uma boa aparência. Como essa é uma atividade de adultos, nunca se apresente como menininha ou como garotão.
Desculpem a dureza. É para o bem de vocês.
Boa sorte!
